TSE, IA E PROPAGANDA ELEITORAL: AVANÇOS E OBSTÁCULOS REGULATÓRIOS
por Gustavo Borges | mar 11, 2024 | Publicações
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No dia 01 de março foram publicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 12 resoluções eleitorais alterando a Resolução 23.610/2019, relatadas pela Vice-Presidente, Ministra Cármen Lúcia, estabelecendo as diretrizes para as eleições municipais de 2024.
Estas alterações foram realizadas, conforme previsto no Código Eleitoral (Lei 9.504/97) para que o TSE, “de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral” possa formular e divulgar “regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais” (Art. 57-J).
Assim, o TSE, avaliando o contexto atual tecnológico, por meio da Resolução 23.732, apresentou algumas regras sobre a utilização da Inteligência Artificial (IA) nas eleições, com enfoque na propaganda eleitoral.
(I) Principais inovações da Resolução do TSE sobre IA
As fundamentais novidades relacionadas à IA incluem a:
(i) exigência de divulgação sobre o uso de IA na propaganda eleitoral (art. 9-B);(ii) vedação de chatbots, avatares e conteúdos sintéticos para intermediar contato com os eleitores (art. 9-B, § 3º);(iii) proibição das deepfakes (art. 9º-C), e;(iv) responsabilização solidária civil e administrativa das plataformas que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, antidemocráticos, racistas, homofóbicos, de ideologia nazista e fascista (art. 9-E).
(II) Avanços da Resolução do TSE
Ocorreram significativos progressos com a resolução do TSE.
Destacamos os essenciais avanços da Resolução, primeiramente, com a exigência de que o uso de conteúdo gerado por IA na propaganda eleitoral seja acompanhado por uma indicação de que o material foi fabricado ou manipulado e inclua detalhes sobre a tecnologia utilizada (art. 9-B).
Tal previsão torna mais transparente a propaganda eleitoral em razão da possibilidade da préviaciência pelos eleitores da tecnologia utilizada.
Além disso, outra melhoria para o atual contexto é a proibiçãodo uso de “chatbots, avatares e conteúdos sintéticos como artifício para intermediar a comunicação de campanha com pessoas naturais”, e qualquer simulação de interlocução com a pessoa candidata ou outra pessoa real (art. 9-B, § 3º).
Esse dispositivo veio para viabilizar a impossibilidade de manipulação de indivíduos por meio da utilização enganosa e errônea de áudio, imagens, vídeos e textos, visando salvaguardar o processo eleitoral. No mesmo sentido, a proibição do uso de deepfake, evitando o uso de sons e imagens de forma distorcida, induzindo os eleitores a erros.
A vedação de dispositivos e sistemas que possam produzir conteúdo distorcido e massivamente espalhados de má-fé fortalece o processo democrático.
Abaixo ressaltamos alguns desafios e obstáculos criados pela resolução e que já indicam a urgência de uma discussão e ponderação para sua implementação durante o período de eleições.
(III) Obstáculos da Resolução do TSE
(III.1) Regime mais gravoso de responsabilidade civil e administrativa
A Resolução implementa um agravamento no regime de responsabilidade das plataformas, que passam a ser consideradas solidariamente responsáveis caso não removam,“imediatamente”, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, antidemocráticos, racistas, homofóbicos, de ideologia nazista e fascista (Art. 9º-E).
Essa inovação representa uma significativa transformação na forma como a responsabilização das plataformas é operada no direito brasileiro, o que reconfigura significativamente o papel das plataformas.
Contudo, essa modificação levanta preocupações diante dasua incompatibilidade com o art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI), Lei Federal que já regula a questão. O art. 19 estipula que é da competência do Poder Judiciário a definição final sobre a natureza jurídica do conteúdo, e os provedores só podem ser responsabilizados civilmente mediante o descumprimento de ordem judicial para a remoção.
A nova regulação impõe uma transferência para as plataformas da responsabilidade sobre a determinaçãoda licitude, ou não, de conteúdo suspeito durante as eleições.
A atual falta de previsão legal sobre os contornos jurídicos destes conteúdos, ou seja, sobre como as plataformas devem identificar os conteúdos a serem removidos representa um risco à liberdade de expressão on-line, assim como significativos desafios para o ecossistema digital. Assim, suscita importantes preocupações neste ponto sobre sua conformidade com o sistema legal já estabelecido, merecendo profundo debate.
(III.2) Possibilidade de remoção excessiva de conteúdos e censura prévia
A imposição deste novo regime de responsabilidade para as plataformas no contexto eleitoral pode ainda resultar em um outro movimento, de excessiva remoção de conteúdos – podendo incorrer até em censura prévia – devido ao receio de uma responsabilização direta.
As plataformas nesse novo contexto agravado, de forma acautelatória, temendo penalidades, tendem a remover conteúdos questionáveis de modo excessivo, o que acarretará riscos de violação da liberdade de expressão e potencial censura.
(III.3) As cláusulas abertas e a criação de obstáculos técnico-operacionais: limites do poder normativo atípico do TSE
A resolução prevê a responsabilidade solidária civil e administrativa das plataformas “quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas” “nos seguintes casos de risco” (Art. 9º-E).
As previsões de cláusulas abertas como “imediata remoção do conteúdo” (Art. 9º-B, § 4º), “indisponibilização imediata de conteúdos e contas” e “casos de risco” (Art. 9º-E) levantam questões sobre sua operacionalidade prática na medida em que cria obstáculos técnico-operacionais pois não permite a interpretação necessária para a adequada moderação do conteúdo.
Além disso, há outros conceitos jurídicos indeterminados, de caráter subjetivo, como os termos: “conteúdos antidemocráticos” (Art. 9º-E, I); “fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral” (Art. 9º-E, II); “comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas” (Art. 9º-E, IV).
São conceitos subjetivos trazidos na resolução, sem prévia lei que os defina, de difícil cumprimento em grande escala, o que cria obstáculos técnico-operacionais práticos e torna desafiador para as plataformas a implementação prática da remoção rápida de milhares ou milhões de conteúdos pela falta de critérios objetivos.
A redação como está não oferece orientações claras e objetivas sobre o método que as plataformas devem empregar para identificar os conteúdos mencionados, gerando dúvidas sobre como elas deverão agir de forma independente.
A ausência de Leis Federais para regular temas como a desinformação e o discurso de ódio, exemplificada pelo PL 2630 das Fake News que ainda tramita no Legislativo, a quem incumbe regulamentar os temas, destacam a inércia legislativa em lidar com essas questões urgentes, o que não autoriza a regulação por meio do poder normativo atípico do TSE.
Nesses termos citados, esse vácuo regulatório por parte do Legislativo em sua função típica não pode ser preenchido pela Justiça Eleitoral, uma vez que seu poder regulamentar é limitado pela Constituição, Leis Federais e pela legislação eleitoral. É necessário um debate mais aprofundado no legislativo para a fixação clara dos conceitos por meio da Lei. A resolução, por ser um ato subordinado à lei, não pode lhe ampliar o conteúdo, nem o restringir.
Na falta da determinação dos limites de incidência das regras, há um risco concreto de censura prévia por parte das plataformas, por meio da moderação de conteúdo excessiva, com o objetivo de evitar penalidades, o que tem implicações significativas para a democracia digital.
De modo que, essas cláusulas abertas são motivo de questionamento e merecem um debate, já que tornam ambígua a responsabilidade dos provedores de aplicação, já que pode violar a Liberdade Expressão, assim como incorrer em inconstitucionalidades e ilegalidades pela afronta da Constituição Federal, MCI e ao próprio Código Eleitoral.
Conclusão
O papel da sociedade civil, ao suscitar debates sobre regulamentações do TSE, é o de fornecer uma variedade de perspectivas e opiniões para enriquecer o processo democrático, com apresentação de preocupações e propostas de melhorias.
Em se tratando de propaganda eleitoral na internet, o art. 57-D do Código Eleitoral já prevê que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet”. Assim, em conta do papel constitucional da Justiça Eleitoral que é o de conciliar dispositivos legais e determinar a interpretação para garantir a normalidade e legitimidade das eleições, a regulação não pode resultar em potencial restrição da liberdade de expressão.
Desse modo, é inegável que houve importantes avanços com a resolução do TSE. Porém, alguns pontos destacados merecem uma profunda reflexão para a sua conformação constitucional e mesmo às leis federais, sob pena de se criarem, em razão de cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, obstáculos técnico-operacionais para a adequada moderação de conteúdo, gerando insegurança jurídica e a possibilidade de censura prévia a todos atores participantes do processo eleitoral.
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Marcela
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Exceptional